SURDEZ,
BILINGUISMO E INCLUSÃO
Autores: Michelle Marques Carmozine e
Samanta C.C. Noronha
"Quando eu aceito a língua de outra
pessoa, eu aceito a pessoa.
Quando eu rejeito a língua, eu rejeitei a pessoa
porque a língua é parte de nós mesmos.
Quando eu aceito a língua de sinais, eu aceito o
surdo, e é importante ter sempre em mente que o surdo tem o direito de ser
surdo. Nós não devemos mudá-los, devemos ensiná-los, ajudá-los, mas temos que
permitir-lhes ser surdo." Terje Basilier
O Brasil passou a ser considerado um país bilíngue desde o dia 24
de abril de 2.002 a partir da promulgação da lei de nº10.436 sendo a Língua de
Sinais Brasileira (Libras), reconhecida como segunda língua oficial.
Ao longo dos anos o Ministério da Educação (MEC) vem implantando a
política de educação inclusiva. Sendo assim as escolas regulares passaram a
receber um expressivo contingente de alunos Surdos e com déficits auditivos.
O decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2.005 regulamenta o
atendimento especializado a este alunado na sala regular de ensino, bem como
define o papel de outro personagem importante: O intérprete de Libras,
profissional fundamental, com formação específica, que é o responsável pela
mediação da comunicação entre Surdos e ouvintes através da língua de sinais.
A Libras é reconhecida pela linguística como língua, pois possui
gramática própria, bem como mecanismos morfológicos, sintáticos e semânticos;
pesquisas também comprovam que o seu reconhecimento ocorre do lado esquerdo do
cérebro, ou seja, aquele relacionado à língua.
A língua de sinais
brasileira, como quase todas as línguas, é uma língua viva e possui os
requisitos científicos para ser considerada um instrumental lingüístico de
poder e força, de uso e produto social.
De modalidade visuoespacialquirêmica (visuo - visão, espacial –
espaço/área, quirêmica – com o uso das mãos), é a língua primeira (L1) dos Surdos.
Pela limitação sensorial, estes alunos não adquirem naturalmente a
Língua Portuguesa: língua segunda (L2), sendo considerada como um aprendizado
mecânico e artificial, o que reflete negativamente no desempenho escolar, onde
geralmente passam a ser vistos com não capazes.
Historicamente a língua de sinais tem sido vista como secundária,
e as instituições escolares tentam garantir o desenvolvimento da criança Surda,
partindo para a busca de formas de aprendizagens próximas a dos ouvintes.
Ocorrendo insucessos, visto que para o ouvinte a língua portuguesa se
desenvolve como a língua de sinais para o Surdo, ou seja, como uma L1, língua
primeira.
Segundo Cummins (2003), crianças que vão para a escola com uma
língua consolidada, terão possibilidades de desenvolver habilidades de leitura
e escrita com maior consistência. Portanto, quando a criança Surda, no início
de seu desenvolvimento, recebe a chance de aprender a língua de sinais com
outro Surdo, aprende a narrar em sinais, a ler em sinais, e terá maior
possibilidade de atribuir significado aos conceitos em língua portuguesa,
capacitando-a para o bilinguismo.
A grosso modo, bilíngue é a pessoa que faz uso eficiente de
diferentes línguas em diferentes contextos sociais. No caso do Surdo seria o
conhecimento e uso da Libras e da língua portuguesa, na modalidade oral ou
escrita.
Para que se efetive o bilinguismo social, no contexto escolar, é
necessário que todo o contingente técnico e pedagógico da escola possua bons
conhecimentos em Libras, pois o desconhecimento destes profissionais implica em
dificuldades nas adaptações curriculares.
Em uma perspectiva bilíngue, o currículo deve ser organizado para
garantir acesso a todos os conteúdos escolares na língua de sinais brasileira.
Para tal o papel do intérprete nesses ambientes escolares é de primordial
importância, no entanto, com frequência o profissional Intérprete de Libras,
tem seu papel confundido com o do professor e acaba recebendo a função de
tutorar o aluno Surdo, transferindo para si as responsabilidades por seu
desenvolvimento pedagógico. O que não é o ideal, visto que mesmo com a presença
do intérprete a responsabilidade é e sempre será do professor regente da sala,
e isso inclui o aluno Surdo.
A inclusão é um desafio para todos, e o professor também precisa
passar pelo processo de aprendizagem de ter no grupo um contexto diferenciado,
com a presença de alunos Surdos e intérpretes de língua de sinais.
De forma geral os professores não dominam os conhecimentos
necessários para a compreensão de processos de aprendizagem de uma língua
quando a audição está ausente. Por este motivo é imprescindível a formação
continuada, para a capacitação de educadores mais reflexivos, conscientes das
necessidades educacionais, sociais e afetivas do alunado Surdo, assim como ter
este novo olhar sobre a educação e o seu contexto atual.
Faltam aos professores regulares os conhecimentos relativos às
metodologias de ensino de línguas, bem como à diferença entre metodologias de
ensino de Língua Portuguesa como primeira e segunda língua.
O processo de inclusão é um desafio não só para o professor, mas
principalmente para o Surdo, que é o indivíduo mais impactado com este novo
contexto escolar, e envolvem tentativas e erros, situações inusitadas e ás
vezes frustrantes.
Algumas ações importantes para o sucesso da educação inclusiva
bilíngue:
·
Ofertar cursos de
capacitação em Libras para os professores e demais profissionais interessados.
·
Envolver a família no
trabalho pedagógico desenvolvido, bem como promover curso de língua de sinais
aos pais e as crianças Surdas.
·
Incentivar a Libras como a
primeira língua do Surdo, respeitando esta condição.
·
Capacitar os professores, às
metodologias de ensino de língua portuguesa como primeira e segunda língua.
·
Assegurar as adaptações
curriculares necessárias ao bom desenvolvimento do aluno Surdo.
·
Fornecer informações básicas
sobre surdez, bem como a Libras para todos os envolvidos no processo educacional
destes alunos.
·
Garantir a participação de
um educador surdo na prática pedagógica na classe especial/sala de recursos
multifuncional.
·
Evitar comportamentos de
rejeição e superproteção.
·
Respeitar as
particularidades educacionais, bem como a identidade cultural do aluno surdo.
·
Ter em mente a função do
intérprete educacional e o seu papel dentro do ambiente escolar.
·
Entender que a inclusão
trata-se de um processo diferenciado e que requer um novo olhar sobre as
práticas pedagógicas.
·
Obter os conhecimentos
básicos referente às diferentes perdas auditivas e saber reconhecer a
influência das mesmas no desenvolvimento sócio-educacional do aluno Surdo.
·
Conscientizar-se de que a
inclusão trata-se de um processo em desenvolvimento onde apenas com a participação
efetiva de todos os envolvidos será possível buscarmos as respostas para as
lacunas e faltas relacionadas existentes neste mesmo processo.